Combatendo a desinformação

Camila Mont`Alverne é sempre aluna e integra o “Projeto confiança nas notícias”, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford.
17/09/2020

Os reencontros com os nossos sempre alunos nos dão a certeza de que educação é como um rio caudaloso, vai abrindo veredas, bifurcando-se e levando vida em muitas direções. Também nos fazem perceber que eles aprendem com a Escola e a Escola aprende com eles, quando ainda fazem parte do ambiente escolar e mesmo depois, ao tomarem seus destinos. A entrevista é com Camila Mont`Alverne, que durante 11 anos estudou no Colégio Santa Cecília e agora segue – depois de uma trajetória relâmpago na graduação em jornalismo, mestrado e doutorado – para trabalhar no “Projeto confiança nas notícias”, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford. O projeto é dos mais relevantes, visto que vai estudar a confiança em notícias digitais no Brasil, na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Camila nos dá a dimensão: “Juntos, esses países representam mais de um bilhão de usuários de internet, então, provavelmente iremos tratar de desinformação, tema que tenho abordado em alguns trabalhos, especialmente estudando eleições e WhatsApp no Brasil. Mas esse me parece ser um problema que decorre de outras questões maiores, como uma dificuldade das instituições em se mostrarem legítimas frente à população ou a ascensão de populistas a cargos importantes, que produzem impactos em diferentes esferas”. 

 

Colégio Santa Cecília - Camila, conte um pouco a sua história no Santa Cecília. Quais sãos suas memórias afetivas mais presentes?

Camila Mont`Alverne - Eu estudei no Santa Cecília entre o 1º ano do Ensino Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio, o que dá 11 anos. Minha experiência na Escola me ajudou com muitas questões com as quais eu iria me deparar depois. A época em que estive no Colégio coincidiu com um momento em que estávamos bastante abertos para a discordância e a crítica – e talvez isso tenha sido o que mais fiz enquanto estive lá (risos). Dentre as minhas memórias mais marcantes, está o piquenique na cantina, do qual fui uma forte entusiasta, e do espaço para debater com os professores, especialmente nas aulas de ciências humanas, que sempre foram as minhas favoritas. Não posso deixar de mencionar, também, a experiência do Diga Lá, que foi um breve ensaio do que eu poderia encontrar na faculdade de Jornalismo. Acho que o espaço para o jovem ter liberdade para formar sua própria identidade, mesmo quando isso implicar em questionamentos a respeito do que é tido como convencional, é muito importante, inclusive porque possibilita chegar mais madura para outras experiências. O Santa Cecília foi o primeiro espaço no qual me senti à vontade para exercitar a crítica e o diálogo e acredito que isso tem uma conexão profunda com a minha formação como pesquisadora.

 

CSC - Você se graduou em Jornalismo e enveredou pela pesquisa fazendo mestrado e doutorado e agora assume um novo desafio como cientista em Oxford. Fale um pouco da sua trajetória acadêmica e desse novo projeto?

CM - Eu fiz graduação em Jornalismo e mestrado em Comunicação pela UFC, mas, desde a faculdade, já sabia que estava mais disposta a fazer pesquisa que a trabalhar em redações. Por isso, já saí da graduação direto para o mestrado. Ao mesmo tempo, minha área de estudos é Comunicação Política, com foco especial em Jornalismo Político e em internet e eleições. Isso fez com que eu sentisse falta de uma formação mais sólida em Ciência Política e, por isso, fiz doutorado na UFPR justamente nessa área, que terminei em março. Entre o final do doutorado e a metade deste ano, também tive a chance de levar minha expertise para um terreno mais prático, pois trabalhei como pesquisadora no Instituto Sivis, uma ONG que procura fomentar a cultura democrática no Brasil. Na metade deste ano, surgiu a oportunidade de trabalhar no “Projeto confiança nas notícias”, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford. O projeto é muito coerente com o que eu me preparei para fazer e com minha área de atuação. Iremos partir de algumas questões principais, como saber em que tipo de notícias as pessoas confiam, por que e o que plataformas de mídias sociais e empresas jornalísticas podem fazer para ajudar as pessoas a selecionar notícias confiáveis no ambiente digital para produzir recomendações baseadas em evidências que possam ser colocadas em prática por editores, plataformas e outros agentes que estejam trabalhando para aumentar a confiança nas notícias. O projeto vai estudar a confiança em notícias digitais no Brasil, na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Juntos, esses países representam mais de um bilhão de usuários de internet, então, provavelmente iremos tratar de desinformação, tema que tenho abordado em alguns trabalhos, especialmente estudando eleições e WhatsApp no Brasil, mas esse me parece ser um problema que decorre de outras questões maiores, como uma dificuldade das instituições em se mostrarem legítimas frente à população ou a ascensão de populistas a cargos importantes, que produzem impactos em diferentes esferas.

 

CSC - A pesquisa científica está hoje no centro das discussões mundiais em função da pandemia do coronavírus. O papel do pesquisador nunca foi tão relevante. Como você se sente optando pela vida acadêmica e problematizando questões tão centrais e contemporâneas como a influência das fake news nas eleições em vários países do mundo?

CM - Tenho consciência do privilégio que é poder viver de ciência em um país como o Brasil. Se, por um lado, sou muito grata pelas oportunidades que tive ao longo da carreira e que foram possibilitadas pela universidade pública, pela sociedade e pelo Estado brasileiros, por outro, não sei se repetiria essas escolhas se estivesse começando agora. O cenário com o qual me deparei ao sair do doutorado é muito ruim comparado a quando iniciei, apenas quatro anos antes – e ainda pior se contarmos que fiz a graduação durante a “era de ouro” da universidade brasileira, entre 2010 e 2013. A minha escolha de sair do País para um projeto como esse provavelmente aconteceria em qualquer momento porque uma oportunidade como a que estou tendo não se desperdiça. A diferença é que praticamente não há atrativos para jovens pesquisadores que queiram se dedicar à atividade científica ficarem no País no momento atual. Então, se a ciência é a única forma pela qual conseguiremos produzir soluções eficazes para a crise na qual viemos parar, o Brasil segue o caminho contrário e iremos colher os prejuízos das escolhas feitas agora por muitos anos. Sem dúvida, o tópico de pesquisa, que vai além de fake news, cobrindo a questão de confiança nas notícias de forma mais ampla, é um dos grandes atrativos do projeto que estou integrando. A verdade é que se tem muita especulação a respeito do papel da desinformação e, em certos casos, ela é usada como explicação fácil para fenômenos complexos. Eu costumo dizer que os fenômenos comunicativos são mais complexos do que parecem e, neste caso da desinformação, ainda precisamos entender o real impacto e como, efetivamente, podemos criar um ambiente informacional mais saudável nas democracias contemporâneas. Espero contribuir para desvendar um pouco desse mistério.

 

CSC - O que você espera das próximas eleições neste contexto de campanhas muito fortemente pautadas nas redes?

CM - Eleições locais são diferentes de eleições nacionalizadas, então acho que não podemos esperar uma repetição de 2018 – ainda mais porque temos um fenômeno como o da pandemia. Acredito que teremos uma campanha na qual candidatos que vêm cultivando um relacionamento com os eleitores na internet levarão vantagem, mas que precisarão saber converter isso em voto. Também é provável que tenhamos um ambiente informacional mais fragmentado, especialmente quando vemos dados de que 50% dos brasileiros confiam igualmente em mídias sociais e na mídia tradicional (resultado de pesquisa do Instituto Sivis, aplicada em junho deste ano). Temos, então, um cenário de muitos desafios, no qual a presença on-line deixou de ser um acessório – e isso pode pegar muitos candidatos desprevenidos.

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