SC no O POVO

O jornal reproduz no caderno em homenagem ao poeta Manoel de Barros a entrevista concedida por ele às nossas crianças em 2009
13/11/2014

Manoel de Barros, o poeta das coisas desimportantes, morre aos 97 anos. No Caderno Especial dedicado ao poeta, o Jonal O POVO reproduz uma entrevista que ele gentilmente concedeu aos alunos do Santa Cecília. 

O ano era 2009 e uma das maiores alegrias do Setor de Comunicação da Escola e do Diga Lá foi intermediar uma entrevista com o poeta Manoel de Barros. Nesse ano ele já tinha 92 anos e limitara sensivelmente as conversas com jornalistas. Mas topou! Justamente quando soube que os seus entrevistadores eram alunos de uma escola em Fortaleza, tinham entre 7 e 12 anos, apenas. Em nome da saudade e como singela homenagem, publicamos a entrevista na íntegra.

Acesse aqui: http://digital.opovo.com.br/manoeldebarros

Versão na íntegra:

A entrevista com o poeta Manoel de Barros foi muito mais prazerosa que se perder num parque de diversões, cair numa montanha de jujubas, que tomar banho de chuva... Um prazer que foi se dando a conta-gotas... O primeiro contato foi por intermédio de sua doce assessora, Elaine. Ele tem 92 anos! Nada mais justo que recuse os convites para as infindáveis entrevistas que lhe solicitam Brasil afora. Tínhamos uma carta na manga: nada de jornalistas, pesquisadores e afins com suas questões ditas bem elaboradas. Aqui, quem estaria com a palavra eram as crianças. E o poeta que nunca “perdeu o umbigo”, topou responder aos pequeninos. Veio a segunda etapa do deleite:  meninos e meninas, entre 7 e 12 anos, em volta dos poemas, a recitar, a gargalhar, a fazer cara de ponto de interrogação. O resultado está aí, nas dez perguntinhas que se seguem e na sensação de eternidade ao testemunhar a conversa do poeta com  seus pequenos leitores. Para usar das imagens de Manoel de Barros, o que senti com esta entrevista foi uma  festa de carnaval rolando bem no meio da minha barriga!   

Santa Cecília – A sua poesia é muito estranha, confunde a gente, é sobre coisas incomuns! Por que você quis ser poeta? (Isaac Morais, 9 anos)
Manoel de Barros – Eu não quis ser poeta quando ainda estava no ventre da minha mãe, de repente nasci e não me desliguei da vida uterina. Eu acho mesmo que estou poeta porque meu umbigo ainda não caiu. Eu estou a escrever um novo livro e quero dar a ele este nome: A infância da palavra.

SC – Como você cria essas palavras estranhas? (Marcela Cristino, 10 anos)
MB – Eu penso que escrevo alguma palavra diferente porque no ato de escrever há uma exigência rítmica e uma exigência harmônica. Então na hora em que estou escrevendo preciso completar o ritmo ou completar a harmonia. Então pode me surgir uma palavra estranha que completa tais exigências.

SC – O que você sente quando está escrevendo? Como é escrever sobre coisas abstratas? (Ana Marta Vasquez, 12 anos)
MB – Eu não gosto de escrever sobre coisas abstratas. Eu invento imagens. As imagens devem expressar o concreto. Por exemplo: “Eu vi a tarde correndo atrás de um cachorro”. A imagem parece abstrata, mas, se a sensibilidade ajuda, você vai ver a tarde com pernas correndo atrás do cachorro. Poesia pede sensibilidade.

SC – Por que você fez um livro inteirinho sobre nada? (Roberto Cavalcante, 9 anos)
MB – Eu havia lido um livro sobre o escritor francês Gustavo Flauber, e o livro que eu estava lendo falava que Flauber se mantinha só pelo estilo. Eu queria me manter só pelo estilo, mas transbordei. Meu livro sobre nada tem tudo por dentro e por fora.

SC – Quando leio as poesias, vejo o vento carregando o bêbado e a neblina rosa que sai do perfume. E você, o que imagina, o que vê quando escreve? (Lara Aguiar, 10 anos)
MB – O que eu imagino você poderá imaginar. O bêbado há de ser um bêbado normal, mas como ele está bêbado quem o conduz para casa é o vento. O vento foi humanizado e assim pode pegar no bêbado e levá-lo para casa.

SC - É possível você fazer para a gente uma poesia com espelho, caixa, cachorro e brinquedo? (Stella Bezerra, 10 anos)
MB - “Vi um cachorro em frente do espelho
O cachorro se achou feio e entrou na caixa de brinquedo.
Acharam depois uma caixa que andava dentro da sala.”

Não ficou bom o poema porque eu não sei improvisar.

SC - O que você acha que a gente pode fazer com a imaginação? (Tais Barroso, 7 anos)
MB - Com a imaginação a gente pode fazer as imagens mais absurdas como esta:
“Eu vi uma calça de vento dependurada no arame.
Quando eu quis pegar a calça ela era de vento.”
(isso é um despropósito da imaginação).

SC - Se você morasse na cidade, suas poesias seriam diferentes? Você se sente isolado no Pantanal? (Julio e Lara)
MB - Eu vivi até os nove anos no Pantanal.  Depois vim estudar na cidade.  Morei no Rio de Janeiro até 40 anos. Eu conheço outras cidades do mundo.

SC - Você gosta de viver? Gosta de ver o mundo do jeito que você vê? (Julio Biasoli, 12 anos)
MB - Não gosto. Gostaria que a gente vivesse na boa paz, sem ameaça de bomba atômica, sem pessoas doentes. Que todos fossem saudáveis e alegres.

SC - Você topou dar entrevista para a gente por que a gente é criança e tem mais imaginação? (Bruno Enéas, 7 anos)
MB - Acho que sim. Eu agora tenho 92 anos. Mas estou ligado à mãe-terra e à mãe-água. Sou incluso de sapo, é de águas.
 

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