Redação não é dom, é senso crítico

Entrevista com Flávia Radeke, professora de Redação do 3º ano do Ensino Médio,
10/02/2021

Formada em Letras pela Universidade Federal do Ceará, a professora de Redação do 3º ano do Ensino Médio, Flávia Radeke, caminha lado a lado com os alunos no desafio de produzir um bom texto na prova do Enem. Um corpo a corpo que ganhou intensidade com sua chegada à Escola, no segundo semestre de 2019, quando se tornaram ainda mais frequentes os plantões do Enem, a prática de corrigir junto ao aluno sua redação, em encontros individualizados e regados a muitos debates, no Laboratório de Redação. O Santa Cecília foi a Escola que mais cresceu em Redação, segundo a última avaliação (mais de 100 pontos). Isso não é dom, é resultado de muito trabalho. Na conversa com o Setor de Comunicação, Flávia fala sobre metodologia, mitos e a importância da leitura e do senso crítico na construção do texto.

 

CSC – Conte um pouco sobre sua trajetória profissional e como chegou ao Santa Cecília.

FR – Sou formada em Letras pela Universidade Federal do Ceará e ingressei na Escola em agosto de 2019. Hoje me dedico inteiramente à produção de texto, encarando o desafio de preparar os alunos para a redação dos vestibulares e do Enem, matéria que costuma tirar o sono por ser a nota mais importante nos processos seletivos. Já fui corretora do Enem e, anualmente, faço o curso de corretores para estar por dentro das mudanças que o Inep propõe e para levar essas discussões à sala de aula. Quando ingressei no Colégio Santa Cecília, implementamos os plantões do Enem, no contraturno das aulas do 3º ano do Ensino Médio. O aluno marca o horário, chega para a correção trazendo o texto e vamos explicando cada erro, sugerindo melhorias.

CSC – O Santa Cecília foi a Escola que mais cresceu em Redação, segundo a última avaliação (mais de 100 pontos). Na sua opinião, a que se devem esses resultados?

FR – São muitos fatores, como a preparação desde o início do Ensino Médio. Mas se devem muito a esse acompanhamento individual, que acontece duas vezes na semana, em que o aluno traz o seu texto, às vezes até fora da grade de temas da Escola. Além das correções, conversamos sobre a possibilidade de ampliar o repertório e o entendimento de que a construção do texto é processo. A redação é prática cotidiana, o aluno tem que escrever mesmo, e ter o acompanhamento do corretor, do professor.

CSC – O tema da Redação do ENEM foi "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira", uma discussão da maior relevância, que já vem sendo trabalhada nas redações tanto do 3º ano como das outras séries do Ensino Médio. Como foi recebido?

FR – Em 2019, na Olimpíada de Redação, o tema cobrado, se não me falha a memória, foi “Doenças mentais em debate na sociedade brasileira”. Então, essa temática foi muito trabalhada em sala de aula. No ano seguinte, o tema foi desenvolvido no eixo saúde, em outras vertentes, com foco na humanização, mas que também está relacionado à saúde mental, atendimento de qualidade, entre outros. A saúde mental também foi abordada no contexto pandêmico, quando discutimos que hoje o Brasil é o país da América do Sul que mais tem casos de ansiedade e depressão.

A Síndrome de Burnout, associada ao excesso de trabalho na contemporaneidade, ao ritmo acelerado em que vivemos, foi também tema de reflexão, quando falamos das cobranças e do excesso de positividade tão associados a um padrão estabelecido nas redes sociais, que nos impulsionam em busca de uma perfeição. Quando falamos em saúde mental, não necessariamente estamos falando de doenças mentais, é também saber lidar com as nossas limitações, as nossas frustrações e esse ritmo de vida acelerado que vai de encontro a nossa saúde.

CSC – Como foram as últimas aulas de preparação para a redação do Enem em 2020?

FR – Nas aulas de revisão para o Enem, apresentei aos alunos um caderno com possibilidades temáticas, com discussões já cobradas em anos anteriores e fomos analisando e percebendo que anualmente o tema se pauta em emendas constitucionais, ou decretos, ou leis, ou marcos civis, ou seja, em alguma construção governamental acerca daquela temática. Assuntos relevantes para o governo e, consequentemente, para a sociedade e, entre eles, estava a saúde mental.

CSC – Há toda uma discussão sobre subjetividade na correção da prova do Enem. O que pensa sobre isso?

FR – É preciso desconstruir em sala de aula essa ideia de que só é capaz de fazer uma boa redação o aluno que tem a boa escrita como um dom. Não é. Qualquer aluno é capaz de desenvolver uma boa redação dentro dos parâmetros exigidos pelo Enem ou por qualquer outra banca avaliadora. Hoje trabalhamos bem distante dessa subjetividade. Não nos desconectamos totalmente, claro, por ser um texto, mas a redação do Enem se pauta em conceitos objetivos porque são desenvolvimento de habilidades. O que eu tento trabalhar com os alunos, principalmente, é a construção de um projeto de texto no qual se articulam e se montam de maneira muito concreta possibilidades temáticas e argumentativas. O aluno sabe, por exemplo, que no primeiro parágrafo ele vai ter que apresentar o tema e uma tese a qual evidencia o aspecto problematizador em discussão. Ele sabe que o texto Enem é pautado em resolução de problemas. Então, são habilidades construídas ao longo do ano que vão levando o aluno a percorrer esse caminho de maneira mais segura e assertiva. Não preparamos ninguém para contar com a sorte, e, sim, para desenvolver um texto com todas as habilidades de maneira mais tranquila e confortável. Há, portanto, habilidades muito concretas a serem desenvolvidas e cada uma aborda um aspecto. Ao longo dos anos, desde o início do Ensino Médio, os alunos do Colégio Santa Cecília já vão construindo essas habilidades objetivas e desconstruindo a ideia de que é dom, de que a redação é estritamente subjetiva. Todo aluno tem total condição de desenvolver uma redação nota 1000 no Enem.

CSC – Qual a sua opinião sobre o estilo de prova de redação adotado no Enem?

FR – Cada vez mais, o Enem vem peneirando por meio da redação o aluno que tem o senso crítico em desenvolvimento e aquele que não tem. Isso anda de mãos dadas com o repertório sociocultural do candidato. Quanto maior a vivência literária, a curiosidade, os questionamentos que aquele aluno é capaz de fazer acerca do mundo em que vive, mais fácil será o processo de construção textual. A redação Enem não é apenas a apresentação de informações, é a defesa de um ponto de vista pautado em informações. Eu preciso afirmar algo e explicar porque afirmo aquilo. Preciso ter fundamentação para as minhas ideias, e o caminho a ser traçado é justamente o do senso crítico. É preciso que o aluno tenha esse olhar diante da vida para que construa um processo argumentativo. Outra coisa importante é a avaliação do nível argumentativo do aluno, ideias vagas não passam batidas na correção. Só chegam às notas altas os que conseguem construir posicionamentos de maneira aprofundada. Não gosto das receitas de bolo, de estruturas estáticas de construção de texto, o que não ajuda a construir esse senso crítico tão fundamental. Então, eu lanço possibilidades, questionamentos, já que estamos trabalhando com problematizações de questões sociais que impactam os brasileiros de alguma forma e precisam de soluções, partindo das dúvidas a serem geradas para sustentar os pontos de vista a serem levantados.

CSC – Qual a importância da leitura na construção de um bom texto?

FR – A leitura não impacta apenas a nossa vida escolar, ela é o ponto chave da construção de um senso crítico. O aluno que não lê, que não tem contato com outros posicionamentos, pontos de vista, com outras vivências não é capaz de construir de maneira satisfatória seu próprio ponto de vista. A leitura se apresenta como um caminho norteador para que o aluno consiga construir a própria opinião. É preciso ler não somente aquilo com que se identifica, mas também aquilo que contesta, para que possa equilibrar e chegar as suas conclusões. A leitura é ponto chave para essa construção crítica, para o domínio das habilidades gramaticais, para que tenha repertório e conhecimento de outras áreas. A interpretação de texto depende da prática leitora. A minha relação com a leitura é de muito cedo, e sempre me interessei pelos livros desde muito criança porque tinha muita curiosidade. A leitura faz parte da minha rotina e faz falta quando não consigo ler com frequência.

 

     

 

 

  

 

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